Panorama
Panorama é a primeira exposição individual de Mónica de Miranda em Angola, uma artista cuja obra multimédia aborda temáticas relacionadas com as geografias afectivas, poéticas de pertença e com a processos de construção da identidade.
Angola é uma das geografias afectivas da artista e Panorama marca o seu retorno à paisagem urbana Luandense e a outras paisagens cujos resquícios do passado colonial e não só, estão materializados no espaço arquitectónico: edifícios abandonados, reaproveitados, engolidos pela natureza ou transformados pelos processos de gentrificação servem de testemunha da história recente do País.
O título Panorama (2017) remete imediatamente ao icónico hotel situado na Ilha de Luanda e de onde os hóspedes/visitantes tinham uma visão panorâmica da Baía de Luanda e do oceano Atlântico, e que hoje está desactivado e relegado ao abandono.
O hotel enquanto tipologia traz consigo a simbologia de viagem, de trânsitos diaspóricos tão patentes na obra da artista e é a partir daí que a exposição se articula: por um lado, o Hotel Panorama, construído nas décadas de 60-70 símbolo de uma certa decadência do legado moderno-tropical, e por outro lado, o Hotel Globo dos anos 50. Este último, tema dos primeiros trabalhos da artista em Luanda e representado na vídeo instalação Hotel Globo (2014-16), que serve como ponto de observação das transformações urbanas e sociais no centro de Luanda. Ao contrário do Hotel Panorama, que parece resignado à própria sorte, o Hotel Globo apresenta-se como um enclave de resistência às mudanças aceleradas em seu redor.
Mas Panorama, não representa apenas ao hotel – mas sim a um conjunto de significados mais amplos – uma visão panorâmica, multifacetada e integral de vários temas e/ou objectos. Este duplo significado assume-se por um lado como estratégia narrativa e por outro como estratégia de representação. Imagens são fragmentadas, transformadas em visões panorâmicas, instalações absorventes onde o espectador se torna parte integrante da obra. Outras, como as imagens de Angolan House (2017) e Like a Candle in the Wind (2017) recebem um tratamento de cera que dão as imagens uma dimensão eterna, remetendo à urgência de preservação da memória.
A inclusão de personagens crípticas, como as Gémeas em diversas imagens – When Words Escape Flowers Speak (2017) e am Plateau (2017) carregam em si uma dupla identidade que confunde ou se sobrepõe, mas é sempre distincta e individual.
No filme/instalação Dó (2018), peça desenvolvida especialmente para esta exposição com a colaboração do artista Chullage na construção da paisagem sonora, uma bailarina observa a cidade do alto do prédio do livro enquanto uma orquestra de cordas toca notas e composições descontínuas, numa performance em diferentes locações, espaços em ruínas, à procura do acorde correcto. Composto como uma sinfonia da cidade, na tradição dos filmes sinfonia de Dziga Vertov (Man with a movie Camera) o filme é um estudo sobre Luanda actual e suas transformações, onde os personagens transitam entre o ser parte integrante, agentes ou meros observadores da história.
Resquícios dos diferentes intervenientes – políticos, económicos e sociais são visíveis e materializados na morfologia das cidades, é o que as torna singulares; é também nestes espaços que se desenham (novas) relações de identidade, cada vez mais distintas e singulares, fruto da acção da memória de diferentes grupos socais.
São estas topografias de tensão entre o passado presente e um presente incerto, com as descontinuidades espácio-temporais típicas dos lugares trans-históricos (pós-coloniais) que servem de ponto de partida para o projecto de investigação pós-arquivo de Mónica de Miranda, onde a artista desenvolve um processo crítico de desconstrução histórica e de releituras da memória colectiva angolana.
Panorama não é uma arqueologia urbana, nem somente uma meditação sobre a presença dos passados coloniais em contextos pós-coloniais, sobre a memória individual versus memória colectiva. As imagens não são um registo, elas existem num espaço fronteiriço e transitório, que permite uma reflexão mais ampla sobre estratégias de formação das identidades individuais e colectivas que, tal como antecipado por Homi K. Bhabha “initiate new signs of identity, and innovative sites of collaboration, and contestation in the act of defining the idea of society itself”.
Ano: 2018
Artista: Mónica de Miranda
Produção: This is Not a White Cube
Galeria Banco Económico, Luanda