Yonamine creates ruins
What is there to be loved, if not ruins?
Jacques Derrida
Yonamine cria ruínas.
A sua prática, em sua contínua destruição do que já existia antes do gesto, encarna o paradoxo de uma arte que é em simultâneo iconoclasta e autodestrutiva.
Yonamine usa marcas para cancelar marcas, figuras para cancelar figuras. Cada gesto, voluntário ou não, é destrutivo na sua natureza e simultaneamente anula a existência anterior à da acção. Com isto, uma série acções autodestrutivas, o artista cria um palimpsesto que torna a obra numa ruína contínua.
E há também a memória fragmentada, a história reconstruída como um acumulo de detritos. A memória enquanto a acumulação de ruínas é negada em várias escalas: a memória individual é apresentada como uma cicatriz ou como uma tatuagem, a tela é o palimpsesto de traços e rasuras sobrepostos, as instalações são o resultado de acções directas e graffiti, de uma acumulação de objectos.
A tela nunca é uma tábula rasa, um apoio branco à espera de ser marcada, mas um jornal, que contém traços da realidade. A realidade, trabalhada como uma acumulação de vestígios e sinais, onde as palavras e as imagens perdem a diversidade e se tornam símbolos equivalentes – um grau zero semântico.
Ao entrar na recente instalação no Elinga, este por si também uma espécie de ruína em plena baixa de Luanda, onde imagens de arquivo da história do país são desconstruídas e mescladas a outros ícones, questiono-me: estará a poética de Yonamine limitada a uma estética individual ou há uma dimensão política a este tipo de expressão? Se a história (tela) é uma acumulação de ruínas, qual o papel do cidadão (artista)?
A ruína é o que sobra, mas ao mesmo tempo oferece a possibilidade de novidade e do inesperado. A sobreposição, ora acidental ora intencional de vestígios desencadeia novas possibilidades e a colisão de imagens e símbolos produz novos significados e associações, qual “Louis Vuitton” que adquire aqui uma dimensão social e de resgate da memória colectiva: “Luz Veio”.
Para além do belo senso de composição, o que emerge aqui é o artista enquanto coleccionador de fragmentos. Yonamine desenvolve uma arqueologia do presente que não se limita à documentação dos vestígios do passado, mas que reconfigura de forma criativa novas relações entre símbolos e os seus significados, uma acumulação que produz novas estéticas e novos mapas de percepção.
Como diria Gustav Metzger, destroy a canvas and you create shapes
Publicado no livro de artista Doku, Yonamine, 2014.
Uma versão mais longa do ensaio publicado no livro Atlantica: Contemporary Art from Angola and its Diaspora, Hangar Books, 2019.